O Direito de Preferência na Alienação Fiduciária: Aspectos Práticos
Por Jhonson Cardoso Guimarães Neves.
Introdução
O § 2º‑B do artigo 27 da Lei nº 9.514/97, na alienação fiduciária de bens imóveis, assegura ao devedor fiduciante o direito de preferência para adquirir o imóvel leiloado, desde que exerça esse direito até a data do segundo leilão e arque com todas as despesas que ensejaram a consolidação da propriedade no patrimônio do credor. O presente artigo, com base na referida Lei, estudo de editais de leilões e conversas com representantes do setor bancário e leiloeiros, busca analisar os efeitos práticos desse instituto e as possibilidades de reativação contratual por meio de renegociação da dívida.
Fundamentação Jurídica
Conceito e Âmbito de Aplicação
A alienação fiduciária é um mecanismo que confere ao credor segurança na operação de crédito imobiliário, transferindo a si a propriedade do imóvel como garantia no adimplemento do contrato. Caso o devedor fique inadimplente e não pague o débito nos prazos e procedimentos previstos na Lei nº 9.514/97, ocorrerá a consolidação da propriedade no nome do credor. Mesmo assim, o devedor ainda tem a oportunidade de, mediante o exercício do direito de preferência, adquirir o imóvel pelo valor da dívida acrescido dos encargos e despesas incidentes – tais como prêmios de seguro, contribuições condominiais, tributos (inclusive ITBI), além dos custos operacionais relacionados à cobrança e ao leilão. Esse direito já vinha sendo admitido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em antigas ações judiciais. Oportuniza-se a quitação do débito mesmo depois de consolidada a propriedade do imóvel ao credor, visto que, de modo geral, a purgação da mora não gera maiores prejuízos ao credor, desde que corra o ressarcimento dos custos e, em contrapartida, é assegurado ao devedor fiduciante a recuperação do bem, sem perder o imóvel.
Limites Temporais e Procedimentais
O direito de preferência está condicionado a um marco temporal: ele deve ser exercido até a realização do segundo leilão. Após essa etapa, não subsiste a possibilidade de que o devedor reingresse na disputa pelo imóvel, caracterizando, assim, a importância de o devedor fiduciante estar atento aos prazos e às formalidades exigidas. Durante o exercício desse direito, o devedor precisa não apenas quitar a dívida, mas também pagar todas as despesas que originaram a consolidação da propriedade no patrimônio do credor – um aspecto que amplia a responsabilidade financeira do devedor fiduciante.
Análise Prática do Exercício do Direito de Preferência
Ausência de Concorrência e Exclusão do Leilão
Uma das principais características do direito de preferência é que o devedor fiduciante pode adquirir o imóvel sem a concorrência de terceiros, mesmo que outros interessados já tenham apresentado lances para o mesmo lote. Nesse cenário, se o fiduciante optar por interromper o leilão para exercer o direito de preferência, o imóvel é retirado da disputa. Ao se mobilizar para quitar o débito, o devedor busca restabelecer a relação jurídica com o imóvel.
Implicações na Relação Contratual e Necessidade de Reativação
Do ponto de vista prático, o exercício do direito de preferência implica uma espécie de “renovação” da relação jurídica entre o devedor e o bem. A aquisição do imóvel pelo fiduciante, com base nesse instituto, exige a emissão de um novo título, o registro correspondente e o pagamento dos tributos e emolumentos devidos. Essa dinâmica permite que o devedor, por meio da quitação integral da dívida acrescida dos encargos, restabeleça o vínculo com o imóvel.
Possibilidades de Reativação do Contrato e Renegociação da Dívida
Em conversas com representantes do setor bancário, constatou-se que, na prática, é possível reativar o contrato por meio da renegociação da dívida. Esse processo assemelha-se à celebração de um novo contrato, com propostas, condições de pagamento revisadas e uma nova avaliação do crédito do devedor fiduciante. Para que a operação seja realizada, é fundamental que o devedor esteja com sua situação financeira regularizada (sem restrições em órgãos de proteção ao crédito, como SERASA e SPC), o que possibilita ao Banco verificar a capacidade do cliente em arcar com as parcelas futuras.
Considerações Finais
O direito de preferência conferido pelo § 2º‑B do artigo 27 da Lei nº 9.514/97 representa uma importante salvaguarda para o devedor fiduciante, oferecendo uma alternativa para a quitação do débito e a manutenção do vínculo com o imóvel, para não perdê-lo. No entanto, seu exercício exige atenção aos prazos e uma completa quitação das despesas originárias da consolidação da propriedade, configurando, em essência, a celebração de uma nova aquisição. A possibilidade de reativação do contrato por meio da renegociação da dívida ressalta a aplicabilidade prática desse instituto.
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Texto de Autoria de Jhonson Cardoso Guimarães Neves (OAB/PR 56.313), sócio-proprietário do escritório Agibert & Neves Advogados Associados (e-mail: [email protected] | Instagram: @agibertenevesadvocacia). Bacharel em Direito pela Universidade Tuiuti do Paraná (2009), atuante como advogado no ramo do Direito Imobiliário, Direito Condominial, Satisfação de Crédito, Direito do Consumidor, Direito de Família e Sucessões, Responsabilidade Civil e Direito Contratual desde setembro de 2010. Extensão e Aperfeiçoamento em Direito Imobiliário, Contratos e Negociações pela Fundação Getúlio Vargas – FGV (2020); Atualização em Direito Sucessório pela Escola Superior de Advocacia (ESA) da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Paraná – OAB/PR (2020). Pós-graduação em Direito Imobiliário e Notarial pela Escola Superior da Advocacia (ESA Nacional), em parceria com a Universidade Candido Mendes – UCAM (2025). Litigante, consultor, parecerista e articulista. E-mail: [email protected]