Lei de Improbidade Administrativa: o que mudou para o terceiro setor?

Com a edição da Lei nº 14.230/2021, que alterou a Lei de Improbidade Administrativa dando novo tratamento a diversos dispositivos, surgiu a necessidade de analisar os possíveis impactos para os dirigentes de entidades do terceiro setor.

Compõem o terceiro setor as entidades da sociedade civil de fins públicos e não lucrativos. Segundo Maria Sylvia Di Pietro, o terceiro setor “caracteriza-se por prestar atividade de interesse público, por iniciativa privada, sem fins lucrativos; precisamente pelo interesse público da atividade, recebe proteção e, em muitos casos ajuda por parte do Estado, dentro da atividade de fomento” [1].

A Lei nº 13.019/2014 instituiu normas gerais para as parcerias entre a Administração Pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público e recíproco [2].

Para a referida lei, organizações da sociedade civil são as entidades privadas sem fins lucrativo; determinadas sociedades cooperativas; e as organizações religiosas que se dediquem a atividades ou a projetos de interesse público e de cunho social. Em síntese, referida lei compreende as entidades do terceiro setor.

O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil — como ficou conhecida a Lei nº 13.019/2014 — fez referência às condutas consideradas impróprias por parte dos dirigentes dessas entidades [3]. Entre elas, destaca-se a responsabilização por ato de improbidade administrativa, hipótese em que não será possível a celebração de qualquer das modalidades de parceria previstas na Lei nº 13.019/2014 entre a entidade por ele representada e a Administração Pública.

Cabe ressaltar que as penalidades previstas nessa lei serão aplicáveis à organização da sociedade civil, mas não ao dirigente enquanto pessoa física, conforme prevê artigo 73 da lei [4].

A Lei de Improbidade Administrativa, por sua vez, será aplicável aos dirigentes das organizações da sociedade civil e às entidades, quando celebram parcerias com a Administração Pública recebendo recursos públicos para a execução das finalidades estatutárias e de interesse público.

Nesse sentido, a Lei nº 14.320/2021 trouxe diversas mudanças à Lei de Improbidade Administrativa, tendo acrescentado o §6º ao artigo 1º para deixar claro que se sujeitam às sanções da Lei de Improbidade os atos praticados contra o patrimônio de entidade privada que receba subvenção, benefício ou incentivo fiscal ou creditício, de entes públicos ou governamentais [5]. Da mesma forma, o agente público que transfere os recursos para entidades do terceiro setor também poderá ser enquadrado na Lei de Improbidade.

Estarão, também, sujeitos às sanções da lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade privada para cuja criação ou custeio haja recursos de origem pública.

Na Lei de Improbidade Administrativa, diferentemente do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, há previsão de responsabilização não apenas das pessoas físicas, mas também das pessoas jurídicas que celebrem ajuste com a administração, envolvendo repasse de verbas públicas [6].

Entretanto, é importante ressaltar que os dirigentes apenas responderão pelo ato de improbidade que venha a ser imputado à pessoa jurídica se restar comprovado que houve participação e recebimento de benefícios diretos por parte deles [7].

No que tange às condutas que configuram ato de improbidade, a Lei nº 14.230/2021 alterou a redação do inciso VIII do artigo 10 da Lei de Improbidade para deixar claro que será considerado ato de improbidade que acarreta lesão ao erário “frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva”, passando-se a exigir a comprovação da efetiva perda patrimonial.

O inciso XIX do artigo 10 também foi alterado, sendo considerada conduta lesiva ao patrimônio público: “Agir para a configuração de ilícito na celebração, na fiscalização e na análise das prestações de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas”.

Pela redação antiga do inciso acima transcrito, bastava que o agente agisse de forma negligente para restar configurada a improbidade administrativa. Era possível, portanto, a responsabilização do agente por mera culpa, o que não é mais possível pela nova redação desse dispositivo.

Ademais, vale ressaltar que, por receberem recursos públicos, os dirigentes das entidades do terceiro setor se sujeitam às demais sanções da Lei de Improbidade, caso participem e se beneficiem dos atos, o que, inclusive, vai ao encontro da previsão constante na Lei nº 13.019/2014, que traz referida conduta como impeditiva de realização de novas parcerias.

Nesse sentido, conclui-se que a conduta do dirigente de organização da sociedade civil que incorre em ato de improbidade, seja ele qual for, além de ser penalizado pessoalmente ou na figura da pessoa jurídica a qual exerce direção pela Lei nº 8.429/92, também estará obstado de celebrar quaisquer das modalidades de parceria entre organizações sociais e a Administração Pública com base na Lei nº 14.230/2021, seja termo de colaboração ou termo de fomento.

Contudo, é importante ter em mente que as alterações trazidas pela Lei nº 14.230/2021, em especial, a prescritibilidade de todas as sanções, a possiblidade de acordo e a necessidade de demonstração de dolo nas condutas, acabará, de certa forma, sendo benéfica à pessoa física ou jurídica que possa ser enquadrada no polo passivo de uma ação de improbidade administrativa, o que inclui os dirigentes de entidades do terceiro setor.

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fonte: https://www.conjur.com.br/2022-fev-22/cunha-lei-improbidade-mudou-terceiro-setor

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