STF: Não há imunidade para atos de guerra praticados por outro país

Em plenário virtual, os ministros do STF, por maioria, afastaram a imunidade de jurisdição da República Federal da Alemanha em caso que trata de ressarcimento de danos materiais e morais de descendentes de um tripulante morto em decorrência de ataque de submarino alemão no mar territorial brasileiro.

Seguindo voto do relator, ministro Edson Fachin, a Corte fixou a seguinte tese:

“Os atos ilícitos praticados por Estados estrangeiros em violação a Direitos Humanos não gozam de imunidade de jurisdição.”

(Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

O caso concreto trata de ação de ressarcimento de danos materiais e morais de autoria de descendentes de um tripulante de barco pesqueiro morto em decorrência de ataque de submarino alemão no mar territorial brasileiro, nas proximidades da Costa de Cabo Frio, em julho de 1943, durante a II Guerra Mundial.

O juízo da 14ª vara Federal da Seção Judiciária do RJ declinou de sua competência e julgou extinto o processo, sem resolução do mérito. O STJ negou seguimento ao recurso lá impetrado sob o argumento de que não cabe ao Judiciário brasileiro apreciar pedido de indenização contra o Estado estrangeiro. Para o STJ, em caso de ato de guerra, a imunidade de jurisdição é absoluta.

Em 2017, o plenário do STF reconheceu a repercussão geral da matéria. À época, o ministro Edson Fachin, salientou que a controvérsia é inédita no âmbito da Corte. “É evidente a índole constitucional da matéria por envolver questões do Estado de Direito brasileiro em relação à sociedade internacional”, disse.

“Um crime é um crime”

Sobre a imunidade de jurisdição do Estado estrangeiro no Direito brasileiro, o relator destacou que, no Brasil, a matéria é redigida por direito costumeiro, pois o país ainda não se vinculou à convenção das Nações Unidas. Assinalou, ainda que a Alemanha, país detentor do submarino que atacou a embarcação, também não é signatária da convenção.

“Eis, porém, a distinção do presente caso, controvérsia inédita no âmbito desta Suprema Corte, porquanto se coloca em questão a derrotabilidade de regra imunizante de jurisdição em relação a atos de império por Estado soberano, por conta de graves delitos praticados em confronto à proteção internacional da pessoa natural em espacialidade brasileira, à luz da igualdade jurídica entre os Estados na sociedade internacional e, especificamente, da prevalência dos direitos humanos nas relações internacionais.”

O magistrado discorreu que a imunidade de jurisdição não é regra absoluta, e por essa razão assinalou que a relativização da imunidade de jurisdição estatal em caso de atos ilícitos praticado no território do foro em violação a direitos humanos permanece possível.

O ministro destacou que, no caso concreto, pescadores civis, trabalhadores, alheios à guerra, foram vítimas de um ato aleatório, e caso a jurisdição brasileira não tivesse competência para julgar o fato, a família nada poderia fazer para que o agressor fosse responsabilizado. S. Exa. afirmou que “negar esse direito ou exigir que a vítima busque a jurisdição estrangeira é reservar-lhe a anomia, o não-direito, o “estado de exceção”.

“”Um crime é um crime.” A imunidade, assim, deve ceder diante de um ato atentatório aos direitos humanos. Não se trata, como visto, de uma regra absoluta.”

O ministro entendeu que o Supremo, em respeito às regras constitucionais que conferem prevalência dos direitos humanos como princípio que rege o Estado brasileiro nas relações internacionais, deve afastar a imunidade de jurisdição no caso.

O relator concluiu por dar provimento ao RE para afastar a imunidade de jurisdição da Alemanha, e assim, anular a sentença que extinguiu o processo originário sem resolução de mérito. Votou pela fixação da seguinte tese:

“Os atos ilícitos praticados por Estados estrangeiros em violação a direitos humanos não gozam de imunidade de jurisdição.”

Veja o voto do relator.
As ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia, bem como os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso, seguiram o relator.

Em divergência, o ministro Gilmar Mendes votou pelo desprovimento do recurso extraordinário, mantendo o acórdão do STJ, ao reconhecer a imunidade absoluta de jurisdição de Estados estrangeiros em se tratando de atos submetidos ao regime de jure imperii. Gilmar foi seguido por Nunes Marques.

Marco Aurélio também divergiu desprovendo o recurso. S. Exa. propôs a seguinte tese: “É absoluta a imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro considerado ato de império praticado em contexto de guerra, ainda que em jogo violação de direitos humanos.”

Moraes, negando provimento ao recurso, em divergência ao relator, propôs a tese: “É absoluta a imunidade de jurisdição de Estado estrangeiro por atos de império, inclusive os praticados em contexto de guerra, salvo renúncia expressa.”

Ministro Fux seguiu o entendimento de Moraes.

Processo: ARE 954.858

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fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/350625/stf-nao-ha-imunidade-para-atos-de-guerra-praticados-por-outro-pais

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